6ªfeira-à-noite
em casa dos
amigos vêm-se melhores filmes do que cá em casa. primeiro, porque estamos todos juntos e é sempre uma animação e depois porque cá em casa há uma série de limitações tecnológicas “Oh tia, a tua televisão não tem HD?!”. em casa dos amigos jantamos e conversamos
antes de preparar a sala; luz baixa, um sofá familiar que dá para esticar as pernas e por os pés em cima. depois há os snaks, muitos e
divertidos e com a vantagem de não incomodar ninguém com o ruído ou de poder interromper para ir à casa de banho. e claro, a manta gigante que ilicitamente
nos sussurra entre um mar de almofadas fofas 'se isto for uma merda podes sempre encostar a cabeça e dormir à vontade que ninguém está nem aí’.
já sem sapatos e instalados sobre o grande écran seleccionamos o filme desta sexta-feira que
será “From Rome with Love” de Woody Allen. bom, agora que penso nisso, acho que
fui eu quem escolheu o filme tal foi o entusiasmo quando o vi no menu ‘ai, há tanto tempo que ando para ver, que bom!’, esfregando as mãos freneticamente como só quem me conhece pode entender. e não contrariar.
isto-não-é-uma-crítica-de-cinema-por-isso-não-me- chateiem
gosto do Woody
Allen por motivos que talvez não sejam os mais politicamente-correctos ou que façam boa figura. aliás, Woody é um dos seus melhores personagens, revendo-se em todos os outros que vão povoando a tela, uns mais do que outros. assim que o vejo dá-me vontade de rir e à medida que os anos passam tenho a certeza que ele mirrou, neste
filme temos um homem bem mais atarracado com a mesma cara de quem está sempre
ausente do que o rodeia e ao mesmo tempo a gozar tudo e todos, não esquecendo a si mesmo e esse é um dos seus brilhantismos, sempre vestido à
intelectualóide de outros tempos (em que noutros tempos ser intelectual era um estatuto e não como agora que basta
citar um autor estrangeiro, gostar da cinefilia de Woody Allen ou frequentar os cinemas King para que nos chamem pseudo-intelectuais
como se fossemos uma estirpe possuída por um desejo irracional de ter a mania mas
sem que ninguém perceba, estirpe essa excelentemente retratada pela personagem de Ellen Paige, provando que no final, tudo se desfaz como num poema de Paul Yates).
eu-não-sou pseudo-intelectual-mas-gosto-de-ir-ao-King
e até acho que foi no King que vi um dos meus filmes favoritos de Woody: “Whatever works". a partir daí comecei a gostar mais deste pequenote neurótico e que facilmente poderia ser misógino se não fosse o seu amor arrebatado por mulheres complexas, como todas somos, e pela sua feminilidade. no entanto, esta Roma deixa-me um sabor bitter-sweet;
se por um lado me apaixona o cenário, revivo nele a cidade rodeada de história, o amor em
cada canto, a língua italiana e a sonoridade do discurso, a fotografia colorida
e de uma felicidade intemporal, à estória falta-lhe o salero que nem a deslumbrante
Penélope Cruz no seu vestidinho rendado vermelho consegue distrair. ok, são várias estórias numa cidade e com muitas
pessoas de sítios diferentes e que de uma forma ou de outra se entrelaçam e nos
dão a sensação de que o acaso não é mais do que isso, tal como Woody sempre gosta de frisar nos seus filmes (vide Match Point, uma obra prima e totalmente inovadora no seu portefólio). mas tal como na maravilhosa cidade de Paris, não senti nenhum pózinho mágico que confirmasse a mística que o título do filme antecipa.
Woody-quantos-whiskey-já bebeste?
uma novidade
neste filme é a moral sempre muito mal disfarçada, atabalhoada até. quase que cada estória tem uma lição mas com a
diferença de que a moral sempre sai vencedora e tudo acaba em bem, sem sequer existir hipótese para um desfecho diferente, aos bons a benesse e aos 'maus' o fogo dos infernos. esta moral básica confere ao filme todo um certo nonsense que não me caiu bem. mesmo porque, quando todos os personagens caem em tentação, dá a ideia de que esse é apenas um comportamento pontual e sem antecedentes que valham a pena mencionar, imaculando-os. no final, a máxima da vida cumpre-se com essa pitada de ser humano que descobre às duras penas que o caminho é sempre
mais sinuoso mas que a luz está ao fundo do túnel; a infidelidade
que não compensa, a de que a fama não traz felicidade, a de que o pecado não
tem forçosamente de morar ao lado se ouvirmos a voz da nossa consciência, a de
que tudo tem um lugar certo na nossa miserável existência e se-tens-uma-voz-de-tenor-porque-carga-de-água-haverás-de-ser-agente-funerário?!
Allen. Woody-Allen.
o genro-mal-humorado é a minha personagem favorita. dou gargalhadas de cada vez que olho o seu semblante, ele pragueja, ele revolta-se, ele não quer que o seu pobre Pai exponha o seu grande talento em prol da felicidade que uma vida modesta de agente funerário requer, intocável e absoluta. se repararem este personagem que podia ser o centro do enredo - protagonista da verdadeira estoria de amor que todos desejamos, uma cidade linda, uma desconhecida e o amor acontece - é somente um namorado/ genro/ filho muito chato e que passa o tempo todo a ser a voz da razão que como sabemos é uma voz chatíssima que nos incomoda quando menos nos da jeito. este é um auto-retrato que não deixa margem para dúvidas, estamos perante um clássico e como clássico, respeitemos o seu mérito.
(cá-em-Lisboa-temos-estórias-mais-interessantes)
Jack: "With age comes wisdom."
Jack: "With age comes wisdom."
Jonh: With age comes exhastion."